Monstros e gigantes do Rio Iguaçu

O porto estava lotado / E o povo andando apressado/ Era aquele vai e vem/ A viagem era embarcada/ Quase não existia estrada/ Ainda não havia o trem/ Ouvi o apito apitar/ Era hora de zarpar/ Do cais de Porto Amazonas/ Ali na primeira curva/ O marujo até se encurvava/ Para dar adeus à sua dona.

 

Com estes versos de Jandir Bianco na abertura, não por acaso o livro Vapores, de Arnaldo Monteiro Bach, circula como bíblia no Rio Iguaçu, é o inventário da navegação fluvial do Paraná. Iguaçu acima, os marujos de água doce desembarcaram madeira, erva-mate e as esperanças dos imigrantes naquelas ermas paisagens.

 

Firmino Morgado Martins (pai de Tico Morgado) foi uma destas aves de arribação do velho mundo, conta o historiador Arnaldo Monteiro Bach: “Firmino morava na cidade do Porto, Portugal, com a mãe e sua irmã, Maria. Seu pai tinha falecido e os demais irmãos eram casados. No início, a ideia de trabalhar no Brasil o assustou, pois era jovem e tinha medo de mudar de país. (…) No dia do embarque, sua mãe, com cabelos brancos e corpo frágil, acompanhou-o ao porto. Ela carregava um lenço branco, com o qual acenou repetidas vezes para Firmino, que partiu para não mais voltar”.

 

Depois de desembarcar em Paranaguá e atracar a vida em Porto Amazonas, Firmino Morgado Martins faleceu aos 70 anos, no dia 28 de janeiro de 1938. Um ano depois, com a estrada de ferro passando em frente ao Hotel Ideal, a direção da Rede Ferroviária exigiu a retirada do hotel. Então a viúva Morgado mandou desmontar o hotel para ser remontado no outro lado da praça. Esse trabalho foi demorado e dispendioso. Com 25 quartos e três pavimentos, a pousada era toda de madeira. Quando foi reconstruído passou a contar somente com dois pavimentos.

 

Firmino Morgado Martins, como tantos outros imigrantes de diversas etnias, foi um dos gigantes que escancararam os portais do Vale do Iguaçu. Mas o maior dos monstros foi o vapor Leão, da firma Leão Júnior e Cia.

 

O Rei dos Vapores foi construído dentro da mais apurada técnica naval. Lançado à água no dia 10 de junho de 1932, tinha um excelente bar que servia cerveja gelada, perfeito serviço de cozinha, com um cardápio onde se destacava a tradicional receita do Rio Iguaçu: “Charque do vapor” (carne seca com batatinha e arroz, prato que até hoje é servido na região).

 

Dotado de uma máquina possante que desenvolvia considerável velocidade (75 cavalo/vapor), o Leão tinha capacidade para 141.600 quilos e contava com 12 camarotes. Foi um dos últimos monstros do Iguaçu. Em 1953, os vapores da firma Leão Júnior e CIA foram desmontados ou enviados para outros rios. Os engenhos faliram, a navegação parou, o sonho acabou. Só a Leão Júnior sobreviveu.

 

Poucos anos depois, com os caminhões monstros roncando nas curvas das estradas do Vale do Iguaçu, restaram as assombrações do progresso. Num dos depoimentos a Arnaldo Monteiro Bach, conta Cezinando Albanski, 75 anos, que cresceu com o movimento da navegação e ouviu muitas histórias desse tempo:

 

“Diziam que aparecia um gigante no meio do rio, que andava por cima da água, balançando os braços e bradando. E cada passo que o gigante dava, jogava água fora do rio. Uma vez, meu tio, por volta da meia-noite, ouviu um apito e foi até o porto entregar lenha para o vapor que se aproximava. Quando chegou ao porto não viu nenhum vapor e, confuso, achou melhor aguardar. Nesse momento, ouviu urros e, de repente, no meio do rio, apareceu um gigante. Meu tio contava que ele tinha a altura de um pinheiro. Ele urrava com tanta força que quem estava dormindo se acordava. Meu tio voltou para casa, apavorado, dizendo que tinha um bradador no rio. Acendeu uma vela e começou a rezar. Então, o bradador parou de urrar e desapareceu. Para meu tio, eram as almas de quem morreu no rio, que estavam precisando de orações”.