O homem que provocou o mundo

Quando Giovanni Rossi embarcou no porto de Gênova, na Itália, em fevereiro de 1890, o plano já estava traçado. Doze anos antes, o agrônomo e médico veterinário havia escrito a primeira edição do livro Uma Comuna Socialista, que idealiza a criação de uma comunidade nos moldes do anarquismo. O plano era colocar a ficção na prática, algo que ele até tentou em 1886. Mas o receio dos camponeses atrapalhou a primeira investida de Rossi.

O fracasso na terra natal, entretanto, não o desanimou. Ele e outros cinco companheiros – quatro homens e uma mulher – embarcaram no navio a vapor com a ideia de transformar a utopia em realidade. A ideia inicial era instalar uma colônia experimental anarquista no Uruguai. Mas o marear da longa viagem, que afetou dois membros do grupo, fez Rossi e sua trupe mudarem os planos e desembarcarem no Paraná em março de 1890.

O Brasil estava movimentado. Em novembro de 1889, o Império havia sido substituído pelo regime republicano; e dois anos antes ocorrera a abolição da escravatura.

Em Palmeira, ele e seu grupo constituíram a primeira e a mais importante experiência anarquista no estado. Ao chegarem a Curitiba, entraram em contato com a Inspetoria de Terras e Colonização e compraram alguns alqueires perto da cidadezinha. No dia 2 de abril de 1890, Rossi declarou oficialmente a formação da Colônia Socialista Cecília, que existiu até 1894.

 

No entanto, há 120 anos, em abril de 1893, a colônia já mostrava sinais de cansaço. Nessa época, o próprio Rossi acompanhou a debandada de diversos integrantes e tentou se estabelecer em Curitiba. Depois, foi trabalhar como agrônomo e veterinário no Rio Grande do Sul. Mais tarde, transferiu-se para Santa Catarina, onde colaborou na criação das primeiras cooperativas agrícolas. Em 1906 regressou definitivamente à Itália, onde morreu em 1943, aos 86 anos.

 

 Desafio

Ao instalar o seu “novo mundo”, Rossi desafiou de uma só vez igreja, família e estado. Na Colônia Cecília, a religião não tinha vez: os membros eram ateus, e as datas religiosas eram ignoradas. Os casamentos não existiam oficialmente e as propriedades privadas eram negadas.

Rossi passou por cima de leis federais, estaduais e municipais. O italiano também defendia o amor livre, experiência que ele provou entre o final de 1892 e começo de 1893, quando dividiu a mesma mulher com outro morador da colônia. “Ele desafiou as três principais instituições da época. Só por isso podemos dizer que a experiência foi genial”, ressalta o pesquisador Arnoldo Monteiro Bach, que lançou em 2011 o livro Colônia Cecília e montou em seu museu um memorial à colônia, com maquetes e objetos que fizeram parte da época.

 

 Origens

Desigualdade social despertou o sentimento anarquista em Rossi

A ousadia de Giovanni Rossi, influenciada pelos ideais socialistas, começou ainda na adolescência. Nascido em Pisa, ele não se conformava com a situação vivida pela maioria das pessoas. “Rossi estava indignado com a situação dos camponeses, que viviam na miséria, sendo explorados pelos patrões”, conta o pesquisador Arnoldo Bach.

Enquanto vivia na Colônia Cecília, Rossi também ia à Itália fazer propaganda do experimento instalado no Paraná e atrair simpatizantes – Cecília começou 1890 com apenas seis pessoas. “O duro contraste entre teoria e prática se apresentou nos primeiros dias ao grupo de pioneiros idealistas. Traziam pouca experiência para cumprir os ideais de sobrevivência de uma colônia agrícola”, constata o pesquisador Cândido de Mello Neto, autor do livro O Anarquismo Experimental de Giovanni Rossi.

No ano seguinte, mais de 200 pessoas desembarcaram em Palmeira. Porém, nem todos eram adeptos dos ideais anarquistas, e o resultado não foi dos melhores. Um grupo roubou o dinheiro mantido no caixa comum (qualquer um poderia ter acesso ao dinheiro mantido na Colônia) e fugiu. Em 1892, a população foi reduzida a 64 habitantes.

No ano seguinte, após manter a primeira relação de amor livre na Colônia, Rossi ainda viu um segundo casal poliândrico surgir no local. Em seguida, partiu para Curitiba com a convicção de que era possível, sim, estabelecer um novo estilo de vida.

Para a historiadora Helena Mueller, o experimento de Rossi traz outra mensagem. “Um dos legados que ele nos deixou é de que é possível lutar para tentar construir um mundo mais justo e igualitário”.